
Catedral verde e sussurrante, aonde
A luz se ameiga e se esconde
E aonde, ecoando a cantar,
Se alonga e se
prolonga a longa voz do mar:
Ditoso o «Lavrador»
que a seu contento
Por suas mãos semeou este jardim;
Ditoso o Poeta que lançou ao vento
Esta canção sem fim ...
Ai flores, ai flores
do Pinhal florido,
Que vedes no mar?
Ai flores, ai flores
do Pinhal florido,
Rei Dom Dinis, bom
poeta e mau marido,
Lá vêm as velidas
bailar e cantar.
Encantado jardim da
minha infância,
Aonde a minh'alma aprendeu
A música do Longe e
o ritmo da distância,
Que a tua voz marítima
lhe deu;
Místico órgão cujo
além se esfuma
No além do Oceano, e
onde a maresia
Ameiga e dissolve em
bruma,
E em penumbras de
nave, a luz do dia.
Por este fundos
claustros gemem
Os ais do Velho do
Restelo ...
Mas tu debruças-te
no mar e, ao vê-lo,
Teus velhos troncos
de saudosos fremem .
Ai flores, ai flores
do Pinhal louvado,
Que vedes no mar?
Ai flores, ai flores
do Pinhal louvado,
São as caravelas,
teu corpo cortado,
É lo verde pino no
mar a boiar.
Pinhal de heróicas
árvores tão belas,
Foi do teu corpo e
da tua alma também
Que nasceram as
nossas caravelas
Ansiosas de todo o
Além;
Foste tu que lhes
deste a tua carne em flor
E sobre os mares
andaste navegando,
Rodeando a terra e
olhando os novos astros,
Ó gótico Pinhal
navegador,
Em naus erguida
levando
Tua alma em flor na
ponta alta dos mastros!...
Ai flores, ai flores
do Pinhal florido,
Que vedes no mar?
Ai flores, ai flores
do Pinhal florido,
Que grande saudade,
que longo gemido
Ondeia nos rames, suspira no ar!
Na sussurrante e
verde catedral
Oiço rezar a alma de
Portugal:
Ela aí vem, dorida,
e nos seus olhos
Sonâmbulos de surda
ansiedade,
No roxo da tardinha,
Abre a flor da
Saudade;
Ela aí vem, sozinha,
Dorida do naufrágio
e dos escolhos,
Viúva de seus bens
E pálida de amor,
Arribada de todos os
aléns
De este mundo de dor;
Ela aí vem, sozinha,
E reza a ladainha
Na sussurante
catedral aonde
Toda se espalha e
esconde,
E aonde, ecoando a
cantar,
Se alonga e se
prolonga a longa voz do mar…
In "Ilhas de Bruma", de Afonso Lopes Vieira,
(1878-1946)
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